Completados 105 anos do nascimento de uma figura emblemática e vanguardista no Brasil, a luta de Abdias Nascimento será retratada pela Escola de Samba Mocidade Unida da Mooca (MUM) no Carnaval de São Paulo em 2020.
Abdias Nascimento nasceu na cidade de Franca no Interior de São Paulo em 1914. O jovem rapaz recorreu a carreira militar para fugir da pobreza e do racismo, ainda mais característico no Brasil daquela época. Não demorou para fazer frente e voz aos equívocos de seu tempo e fez parte do grupo Frente Negra Brasileira junto de Plínio Salgado. Sua ousadia e pensamento igualitário o fizeram deixar o militarismo de lado, o que lhe custou uma vida de duras perseguições policiais, prisões e exílio na época de Ditadura Militar.
Para a história do teatro brasileiro, a indignação de Abdias ao assistir o espetáculo “O Imperador Jones” de Eugene O´Neil com atores brancos pintados de preto (o que era muito comum naquele tempo), se transformou em leitura e experimentação com a criação do Projeto Teatro do Sentenciado, enquanto esteve na prisão. No gozo de sua liberdade liderou o Teatro Experimental Negro (TEN) e revolucionou o cenário cultural da população negra no Brasil.
Por seu engajamento e ser força contrária a Ditadura Militar, Abdias foi um exilado político. Sua permanência nos Estados Unidos em um período de efervescência de movimentos de resistência negra, o deixou em contato com grupos e ideologias como os dos Panteras Negras. De volta ao Brasil escreveu sua história política no PDT (Partido Democrático Trabalhista), e é considerado um ícone da luta racial no País.
E neste espírito que a MUM no dia 23 de maio lançou pelo Facebook, o enredo “A Ópera Negra de Abdias Nascimento” para o Carnaval 2020. O vídeo contabilizou mais de 3 mil visualizações e contou com personalidades do teatro, música e cultura brasileira. A promessa é trazer para o Anhembi uma linda homenagem ao grande artista, ativista e político negro da história do Brasil. Em entrevista ao site Sintonia de Bambas, o Carnavalesco André Rodrigues conta mais detalhes sobre este desafio.
Não é de hoje que o Carnaval dá voz ao povo brasileiro. Trazer a importância da figura de Abdias Nascimento, para uma Escola de Samba relativamente nova no Carnaval de SP é bastante ousado, não é?
André – Não sei se é ousadia por trazer Abdias. A verdade é que “ousadia” quando se trata de Enredo que está atrelado ao seu desenvolvimento e, não necessariamente, ao tema. Poderíamos fazer um desenrolar de história bastante cartesiano e confortável, mas preferimos tocar na ferida, ir na raiz do discurso do Mestre Abdias, isso trouxe força para o Enredo.
As Escolas tendem a africanizar a figura do negro. Por se tratar de um personagem brasileiro, a MUM vai trazer uma estética mais ‘contemporânea’?
André – Sim, haverá uma estilização do clássico nos cenários dos palcos com figuras, formas e estampas africanas, tornando a leitura mais moderna e de fácil compreensão.
A preparação da Escola será em clima de homenagem?
André – Sim, mas uma homenagem ao legado. É isso que engrandece a imagem do homem. Ao conversar com a família fui bem claro que – com todo respeito – não interessava de onde ele veio, CPF, orixá ou coisa do tipo que é comum nos enredos homenagens (ou biográficos). Abdias merece que a população de jovens e sambistas conheçam sua luta, suas conquistas, seu legado. Durante o ano teremos muitas ações para valorizar isso. Pretendemos fazer um ano diferente ao introduzir o Enredo na vida ativa da Escola, além dos ensaios.
Abdias Nascimento era um vanguardista de seu tempo. Sua luta para a representatividade do negro no Teatro é pouco conhecida do grande público, como você pretende retratar isso na Avenida?
André – Isso é o início de tudo, assim com o início do desfile. Ele começa sua luta criando um espaço para o desenvolvimento educacional e artístico do negro no Rio de Janeiro. Se hoje temos artistas negros na TV, filmes e etc. vem da luta dele. Herança de um homem que colocou pela primeira vez nos palcos do Teatro Municipal, um negro para ser protagonista de suas próprias peças. Não é à toa que o Enredo é a “Ópera Negra de Abdias Nascimento”. Desenvolvemos esse desfile como se cada passo de conquista e luta da sua vida fosse o ato de uma grande ópera. João 30 já dizia que o desfile de Escola de Samba é uma grande ópera a céu aberto.
Qual a mensagem principal na escolha do tema, neste momento de tantas incertezas culturais no cenário político e social brasileiro?
André – A mensagem quem traz é a própria história do Abdias. Uma das coisas que insisto em dizer é: Tudo é política! Lutar pela cultura, pelas vidas, contra massacre de minorias e pessoas pobres é política. Brigar por melhores posicionamentos da cultura é política. Não é uma questão de polarização (que está na moda), e sim, de compreensão básica de humanismo e direitos civis. O Direito de ir e vir, acesso à cultura e educação. E Abdias defendia isto à população negra e pobre deste País.
Mais uma vez o Carnaval promete um povo negro com mais voz política, social e cultural na Avenida. Esta consolidação do papel de conscientização e de patrimônio histórico do samba é de extrema importância para as novas gerações que constroem a nossa Festa Popular.
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