O tempo passa mais a história não apaga. No Carnaval de 2003 a Acadêmicos do Grande Rio versou sobre a história da mineração do Brasil, com o patrocínio da Companhia Vale do Rio Doce “O nosso Brasil que Vale”, o enredo da escola de Caxias, e diga-se de passagem, um tema delicioso para uma mineradora que na época suas ações multiplicavam-se nos mercados das bolsas de valores em todo o mundo, onde que rendia muito dinheiro para seus acionistas.
“Uma luz brilhou no céu, eu vi. Um sol de bronze a reluzir (bis) Nuvens de prata vão cobrir. As montanhas de ferro, é o progresso a surgir”, exaltava um dos refrões do samba enredo da escola. Com fantasias luxuosas, comissão de frente com integrantes acrobatas e bailarinos de corpos pintados nas cores cobre, prata, preto e dourado – representando os elementos da terra. Na apresentação da comissão, uma escultura de mais ou menos seis metros era escalada pela ala. No Abre-alas, a figura de Atlas carregando a Terra nas costas. Entre as polêmicas surgidas no desfile da Grande Rio, a alegoria que mostrava um homem sendo executado na cadeira elétrica. Todavia, um belo desfile. Onde a escola obteve o terceiro lugar por perder alguns décimos no quesito harmonia. Tempos áureos para Vale do Rio Doce.
No entanto, após 12 anos do tempo de glorias e homenagens, a Vale que era “Doce” vira o “Vale Amargo de Tragédias”. Em 5 de novembro de 2015, 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro soterraram o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, e percorreram quilômetros até o mar. A tragédia provocou a morte de 19 pessoas, contaminou o Rio Doce, mudou a vida de 500 mil habitantes das mais de 40 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo atingidas pelo vazamento, que se tornou o maior desastre ambiental da história do país.
O presidente e diretores da Vale do Rio Doce vieram à público na época pedindo desculpas e prometeram que “tragédias como a de Mariana Nunca Mais”. Passados pouco mais de três anos, um rio de lama e dejetos invade a cidade de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais. O rompimento da barragem do Feijão, na tarde da última sexta-feira, 25 de janeiro, deixa dezenas de mortos e cerca de 300 pessoas desaparecidas, vitimadas pela avalanche de lama e rejeitos da mineração que devastou parte da comunidade de Vila Ferteco.
A Vale não aprendeu com os erros em Mariana. Pelo contrário. Deixa agora um vale de mortes, tristeza e dor. No Carnaval de 2017, o carnavalesco Paulo Barros criou a alegoria que chamava a atenção para a tragédia de Mariana. Aproveitando o enredo da escola de samba Portela que era sobre rios – “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar” – Paulo Barros previu novos desastres e deu um alerta: “Olha o que aconteceu e vai acontecer de novo. Quantas vidas se perderam e se perdem em rios de lama”. Apesar da Portela conquistar o título de campeã, Barros foi alvo de algumas críticas por causo da alegoria. Porém, estava certo em sua previsão.
Apesar do trocadilho, vale ressaltar que no contra ponto dessas tragédias, o desfile da escola de samba Grande Rio em 2003, mostrou o sucesso e o êxito da mineradora no Brasil. O trabalho desenvolvido pelo carnavalesco Joãozinho Trinta foi baseado na trajetória progressiva da empresa. Um grande Carnaval foi mostrado e que colocou escola de Caxias na disputa direta pelo título, mas os desacertos no quesito de harmonia a tirou fora páreo. Acredito que a época, a Grande Rio e o carnavalesco Joãozinho Trinta nunca souberam dos erros da Vale do Rio Doce que vieram a tona em 2015 na tragédia de Mariana e a de 2019 com rompimento da barragem do Feijão em Brumadinho.
Aí está: Capítulos de sucessos e de homenagens e os de descasos e desrespeitos com vidas humanas. E o meio ambiente protagonizados pela Vale do Rio Doce. E agora qual é a desculpa que Vale? Ou vai se “Valer” só de solidariedade com as vítimas dessa tragédia?
Valdir Sena – Jornalista, radialista, pesquisador e cronista de Carnaval.
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