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A Negritude exaltada e cantada pelo Carnaval

por Sintonia
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Na disputa da memória!

O samba faz o tempo de Consciência Negra ser preservada.  

As escolas de samba são os maiores redutos da história dos Negros. A magia e a beleza dos desfiles produzidos e traduzidos pelas genialidades dos carnavalescos e das equipes que montam os enredos para o Carnaval é sem dúvida uma das formas de construir a história e preservar a memória.

E a disputa dessa memória, exibida em teatro ambulante, mostra a  verdadeira aula de história sobre a vida dos negros que ocorrem nos desfiles dos Sambódromos de São Paulo e  Rio de Janeiro.  Essa aula toma vida  no grande  palco da Avenida tornando  o Carnaval, o  maior espetáculo da terra.

No contagiante e alegre cenário do Carnaval  a história do negro nunca é esquecida. Para se ter uma ideia, ao longo de muitos décadas  de desfiles, grande parte das agremiações já mostraram em seus enredos alguns capítulos de valorização e preservação da trajetória do negro.

Viajando no tempo dos antigos carnavais , há  verdadeiras obras de arte de enredos como o da escola de samba Camisa Verde e Branco “No tríduo Momo Negro é Capitão, é General… Poderia ser tanta coisa na Vida Real”, na década dos anos 80. Ou então no enredo “A Revolta da Chibata, Sonho, Coragem e Bravura. Minha História. João Candido Um Sonho de Liberdade” tema que foi censurado pelo regime militar na década de 70. Porém, reproduzido pela escola em 2003 e reeditado em 2017.

Fotos: Arquivos da Sintonia de Bambas

A Nenê de Vila Matilde, também no ano de 1982 com o enredo “Palmares Raízes de Liberdades”. Em 1997 a Nenê mostrava um outro importante capítulo da história da negritude com o enredo “Narciso Negro”. Considerada um dos grandes redutos da negritude da Zona Leste, a Nenê de Vila Matilde retratou dezenas vezes, com enredos comoventes a história do negro.

Na Unidos do Peruche não foi  diferente. Além da história, a escola mostrou por diversos enredos, os costumes, a culinária típica, as crenças e a religiosidade afrodescendentes como em 1987 “Os Sete Tronos dos Divinos Orixás” imaginado pelo carnavalesco Joãozinho Trinta. E no desfile de 2008 com o enredo “Quilombos, Quilombolas, Kizomba, Meu Quilombo é Peruche”. Em 2019 a escola  voltará a exaltar a história com o tema: “Nascem do Ventre Africano os Valores do Mundo. África, um passado presente no futuro da humanidade”.

Na mesma toada, a Mocidade Alegre também mostrou passagens emocionantes como: “Zumbi dos Palmares”, “Odisseia de Uma Raça” na década dos anos 70 e “Malungos Guerreiros Negros” em 1982. Em 2012 foi campeã daquele ano com “Ojuobá”, enredo que exalta as crenças e religiosidades dos negros.

A Vai Vai, com a proposta de ser a “escola do povo”, pretende no Carnaval de 2019 fazer um grande desfile, em forma de crítica, ao apresentar o enredo “O Quilombo do Futuro”. O tema vai mostrar as lutas dos negros e as consequências de uma abolição mal resolvida. Mas a Vai Vai já contou capítulos emocionantes da negritude como os enredos “Orum Aiyê – O Eterno Amanhecer”, campeã em 1982 e “Jorge Amado . A História de uma Raça Brasileira”, campeã em 1988.

No Rio de Janeiro, o palco da Sapucaí, visto como sagrado a preservação da memória da raça, também já emocionou muita gente com passagens da história dos negros no Brasil. No Carnaval de 1988, em um dos seus mais belos sambas e o enredo “Cem Anos de Liberdade”, a Mangueira fez a seguinte pergunta: “Realidade ou Ilusão?”. “Será que já raiou a liberdade… Ou se foi tudo ilusão? Será, oh, será… Que a lei Áurea tão sonhada… Há tanto tempo assinada… Não foi o fim da escravidão? Hoje dentro da realidade… Onde está a liberdade… Onde está que ninguém viu?”      Com um desfile emocionante, a Mangueira foi vice-campeã no Carnaval da época, mas com a certeza que mirou no alvo da abolição mal resolvida.

Em 1989, o Salgueiro reviveu seus grandes Carnavais de temática africana e propôs uma reflexão da luta do negro pelo seu reconhecimento na sociedade, defendendo o enredo “Templo Negro em Tempo de Consciência Negra”. Ao som de um dos mais bonitos sambas da década de 80, a escola desfilou com cerca de cinco mil componentes, esbanjando beleza e emoção em sua passagem. Apesar do 5º. Lugar, boa parte da crítica e do público salgueirense acreditavam na disputa do título.

As crenças, o folclore e a religiosidades afro-brasileiros  vieram  no desfile da Portela de 1983, com o enredo “A Ressurreição das Coroas, Reisado, Reino e Reinado”, que deu aos portelenses o título de vice campeã, em desfile que ficou marcado pela última aparição de Clara Nunes, dias antes de ser internada e de morrer, após complicações cirúrgicas . No Carnaval de 2019, a Portela finalmente  homenageará  sua imortal estrela, Clara Nunes  com enredo: “Na Madureira Moderníssima, Hei Sempre de Ouvir Cantar uma Sabiá”.

Em 1988 a Unidos de Vila Isabel, a escola de samba de poetas como Noel Rosa, Martinho da Vila e Luiz Carlos da Vila marcou a passarela com um dos maiores desfiles em homenagem a Zumbi dos Palmares com o enredo “Kizomba, a Festa da Raça”. Campeã do Carnaval daquele ano, a escola usou e abusou da criatividade nos matérias alternativos, como a palha e o  sisal, além da força, da raça e da  garra de seus componentes para representar um autêntico Quilombo.

No Carnaval carioca, seja no passado distante ou recente, são muitos os enredos que preservam a história da negritude. E vale ressaltar, todas escolas já desfilaram em algum momento sobre a temática afrodescendentes.

Porém, a grande surpresa mais recente veio no Carnaval de 2018 com o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Com o enredo sobre os 130 Anos da Lei Áurea “Meu Deus! Meu Deus! Está extinta a escravidão?” onde fez uma crítica sem divisor de águas, em unir o passado ao presente e nos convidando a reagir: que sejamos todos livres, que não sejamos escravos de nenhum senhor, que possamos enfrentar os neoescravagistas, os neocapitães do mato, hoje a serviço do capital financeiro, que nos assalta direitos. E que após 130 Anos da Abolição, nós possamos de fato acabar com a exploração e finalmente trazer liberdade e vida digna ao povo negro e trabalhador, os verdadeiros produtores da riqueza.

Em um  desfile de tirar o folego e arrepiar todas as raças, a Paraíso do Tuiuti deu um salto da última posição que obteve em 2017  , decorrentes a problemas  em sua alegoria, para o segundo lugar em 2018, perdendo o título para a a tradicional Beija- Flor,  por menos de um décimo. Para 2019 a Paraíso apresenta o enredo “O Salvador da Pátria”, que conta a história do Bode Ioiô.

Valdir Sena – Jornalista, radialista, pesquisador e cronista de Carnaval.

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