As declarações da dupla sertaneja César Menotti & Fabiano, no programa Alta Horas exibido na Rede Globo de Televisão na madrugada do dia (03/06), quando dizem: “Samba Coisa de Bandido” é de uma infelicidade incalculável. A lamentável colocação dessa dupla trás à tona a perigosa mistura da ignorância, discriminação, preconceito e o desrespeito em forma de “piada” sem graça!
Eu não sei qual é o grau cultural e de conhecimento dessa dupla que se diz “sertaneja”, para atuar no meio musical e de fazer comentários tão infelizes como esse? Não acreditamos que o verdadeiro seguimento da Música Sertaneja, que tem inúmeros de compositores, músicos, cantores e duplas sertanejas que tanto valorizam a MPB e a nossa cultura compartilhem com essa infeliz “piada” de mal gosto que a tal dupla, contaram em alta horas.
Nos das comunidades do samba, músicos, compositores, sambistas, cronistas e imprensa em geral que militamos no Samba exigimos respeito. A dignidade da nossa cultura não pode ser jogada no lixo através de piadinhas por quer que seja. Somos sim apaixonados pelo Samba, do Carnaval das Escolas de Samba e dessa cultura que tem raízes na história do Brasil.
Para se ter uma ideia, o segmento samba e as manifestações culturais mostram ao mundo, a exuberância poética e de cultura como excelência. Valores conquistados ao longo de décadas difícil e preconceituosas, mas com raça, garra e impondo respeito, a manifestação cultural regida pelo povo negro hoje é, sem dúvida, o som que enriquece e identifica o Brasil.
Na outra ponta desse “iceberg infeliz”, que atravessou o nosso final de semana, vem da ala dos negros que discriminam os próprios negros. A cantora Fabiana Cozza, escolhida para viver a grande dama do samba na fase mais importante do musical “Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro” vinha sendo criticada por integrantes do movimento negro por ser “branca demais para o papel”.
Profunda conhecedora do repertório de Dona Ivone e do colorismo (termo que correlaciona a quantidade de melanina da pele ao preconceito que se sofre), a cantora, filha de mãe branca e pai negro, decidiu renunciar ao papel principal do musical para dar lugar a cantoras de pele mais escura que a sua. Lamentável! Com tanta discriminação no ar, por que será que os “capitães do mato” ainda insistem em sobreviver entre nós? Para tentar entender tanto racismo vindos dos próprios negros destaco, alguns trechos da carta de renúncia de Fabiana:
“Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar “branca” aos olhos de tantos irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração uma dor jamais vivida antes: a de perder a cor e o meu lugar de existência. Ficar oca por dentro. E virar pensamento por horas.”
“Renuncio porque vi a “guerra” sendo transferida mais uma vez para dentro do nosso ilê (casa) e senti que a gente poderia ilustrar mais uma vez a página dos jornais quando ‘eles’ transferem a responsabilidade pro lombo dos que tanto chibataram. E seguem o castigo. E racismo vira coisa de nós, pretos. E eles comemoram nossos farrapos na Casa Grande. E bebem, bebem e trepam conosco. As mulatas.”
“Renuncio em memória a todas negras estupradas durante e após a escravidão pelos donos e colonizadores brancos.”
“Renuncio porque sou negra. Porque tem sopro suficiente dizendo a hora e o lugar de descer para seguir na luta. É minha escuta de lobo, de quilombola. Renuncio pra seguir perseguindo o sol, de cabeça erguida feito o meu pai, minha mãe (branca), meus avós, meus bisavós, tatas…
Ao lado de vocês, irmãos.”
Para engrossar a campanha dos que querem colocar um ponto final nesse iceberg que vagueia em alta e baixa horas no ar, eu finalizo essa crônica com uma reflexão do mestre Martin Luther King, que diz: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.
Valdir Sena – Jornalista, radialista, cronista de carnaval e editor da Rádio Sintonia de Bambas.
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